Na coluna anterior acompanhamos o árduo caminho da indústria de fabricação de microprocessadores para se aproximar da “barreira dos cem nanômetros”.
Por que ela seria tão importante?
Vamos refrescar a memória.
em trinta anos, a camada de silício foi reduzida de dez micra a quase um décimo de mícron"
O mercado sempre exigiu – e continuará a exigir – microprocessadores cada vez mais rápidos. E nas colunas anteriores vimos que para aumentar a rapidez foi preciso, entre outras providências, reduzir a espessura da camada de cristal de silício onde os circuitos são gravados por litografia. O primeiro processador, o Intel 4004 com seus 2.300 transistores, foi fabricado em 1971 sobre uma camada de silício de dez micra, ou dez milésimos de milímetro, aproximadamente igual à espessura de um fio de cabelo. E se passaram apenas trinta anos até que o Pentium 4 acomodasse seus 44 milhões de transistores em uma camada de silício de apenas 130 nm, cerca de cem vezes mais esbelta.
O caminho foi árduo, porém relativamente simples: reduzir um pouco as dimensões horizontais dos componentes, reduzir as espessuras das sucessivas camadas do “wafer”, reduzir os campos elétricos que se formam no interior do circuito integrado e, voilá, eis um processador um pouco menor e mais rápido, podendo conter mais transistores na mesma superfície. E repetir o procedimento para chegar à próxima geração. Assim, em trinta anos, a camada de silício foi reduzida de dez micra a quase um décimo de mícron (100 nm).
Porém o fato de o caminho ter sido simples não significa que foi desprovido de dificuldades. Para começar, havia especialistas que duvidavam que fosse possível manter a imprescindível precisão das linhas projetadas pelo instrumental ótico usado para a litografia na faixa de dimensões inferiores a meio mícron (500 nm). Mas aperfeiçoamentos na tecnologia ótica suplantaram esta barreira. Depois, como mencionado na coluna anterior, foi preciso substituir as conexões internas de alumínio por cobre, e havia quem duvidasse da viabilidade técnica desta substituição devido às características do cobre. Mas também este obstáculo foi superado. Assim como diversos outros que dificultavam o processo de fabricação. E chegou-se aos 130 nm.
Muito próximo do limite dos 100 nm.
Daí para frente é que a coisa complicou. Porque as dificuldades a superar não mais diziam respeito ao aprimoramento do processo de fabricação, mas às características eletroeletrônicas dos materiais usados para a fabricação.
Para entendermos as dificuldades a serem contornadas, examinemos o problema.
Veja, na Figura 1, o esquema representando um corte vertical de um único dos muitos milhões de transistores que compõem um microprocessador moderno. Embaixo, estendendo-se horizontalmente através de toda a largura da figura, aparece a camada de silício usada como base, em roxo o silício puro e em vermelho os trechos que receberam as impurezas e vieram a se constituir no emissor (também conhecido por “fonte”) e o coletor (também conhecido por “dreno”).
Acima da camada de silício aparece a camada seguinte do “wafer”. Em amarelo, o enchimento inerte. Em azul, os espaçadores, ou o que restou das paredes laterais dos canais onde foi formada a base (ou “porta”). E, no centro, em rosa escuro, a própria porta. Em torno da porta e, sob ela, acima da camada de silício, aparece em cinza claro a finíssima camada de óxido de silício. A seta rosa representa a corrente elétrica que flui da fonte para o dreno quando uma tensão é aplicada à porta e o transistor conduz,
É claro que se trata de um esquema. A realidade é um pouco menos regular. Mas não muito diferente. Veja, na Figura 2 (foto de divulgação da Intel), uma fotomicrografia do mesmo corte representado na Figura 1, porém obtido em um transistor real, efetivamente moldado no interior de um processador. Repare como todos os elementos exibidos no esquema da Figura 1 podem ser perfeitamente identificados, inclusive os espaçadores, a camada de óxido e os trechos iniciais da fonte e dreno, com a base sobressaindo ao centro.
Esta fotomicrografia foi obtida de um transistor gravado em uma camada de silício de 250 nm de espessura. Na medida em que as dimensões se reduzem, a coisa fica um pouco menos clara, mas ainda assim dá para reconhecer os componentes. Então, para entender a verdadeira dimensão – no sentido lato e no estrito – do problema de que estamos tratando, vejam a figura 3, obtida de uma magnífica apresentação de Paolo Georgini, Diretor de Estratégia de Tecnologia da Intel, que mostra, à esquerda, uma fotomicrografia de um transistor gerado em camada de silício de 90 nm de espessura (o primeiro a conseguir romper a barreira dos 100 nm) e, á direita, em dimensões absolutamente proporcionais, a fotomicrografia de um vírus da gripe, com seus cem nanômetros de diâmetro (e sempre convém lembrar que os vírus são de cem a duzentas vezes menores que as bactérias).
Neste ponto cabe observar que o fato do transistor mostrado à esquerda da Figura 3 ter sido fabricado em uma camada de silício de espessura de 90 nm o situa no reino da nanotecnologia. Que, segundo a definição da Wikipedia, é “a manipulação da matéria nas escalas atômica e molecular”. Toda aplicação ou ciência que lida com elementos cujas dimensões se situam entre cem nanômetros e um décimo de nanômetro se encaixa no domínio da nanotecnologia, onde os efeitos da denominada mecânica quântica começam a se tornar importantes. Resumindo: ao romper a barreira dos 100 nm a tecnologia de fabricação de microprocessadores entra no delicado e nebuloso mundo da nanotecnologia, onde certas propriedades da matéria se alteram.
Agora vamos ver o que isto significa em termos de dificuldade prática para o funcionamento do nosso transistor.
Note que, embora o transistor da Figura 3 tenha sido moldado em uma camada de silício com 90 nm de espessura, a largura de sua porta é de apenas 50 nm, como mostrado na figura.
Agora, vamos lembrar o que sabemos sobre o funcionamento elétrico de transistores. Quem vem acompanhando esta série de colunas sabe que, quando inserido em um circuito digital, ele funciona como um chaveador de corrente. Explicando melhor: há sempre uma tensão aplicada à fonte, enquanto o dreno está sempre ligado à terra. Entre eles – ou um pouco acima, como se pode ver nas figuras e no esquema – se situa a porta. Pois bem: quando aplicamos uma tensão à porta, a resistência elétrica do trecho situado abaixo dela, entre fonte e dreno, se reduz drasticamente e o transistor conduz eletricidade, ou seja, uma corrente de elétrons se precipita da fonte para o dreno como mostra a seta da Figura 1. Mas quando não há tensão aplicada à porta, a resistência elétrica do trecho de silício situado abaixo dela aumenta e impede que a diferença de potencial elétrico existente entre fonte e dreno faça a corrente fluir. Ou seja: quando não há tensão aplicada à porta, é justamente o trecho de silício situado abaixo dela que deve atuar como isolante, bloqueando a corrente.
O problema é que, no transistor mostrado na Figura 3, o afastamento entre fonte e dreno (ou seja, a largura do trecho isolante) é de apenas 50 nm. Metade do diâmetro de um vírus. Será que uma espessura tão esbelta de material isolante é suficiente para impedir que elétrons saltem da fonte para o dreno?
Este foi o grande problema a ser resolvido ao se romper a barreira dos 100 nm: como fazer com que uma espessura tão pequena de silício efetivamente funcionasse como isolante, ou seja, tivesse capacidade de impedir que elétrons a atravessassem devido à diferença de potencial elétrico entre os dois lados opostos.
E note que o transistor mostrado na Figura 3, onde o trecho isolante mede 50 nm, é fabricado em uma camada de silício de 90 nm. E o que dizer de camadas menores?
Sim, porque a fabricação de microprocessadores em camadas de silício de 90 nm iniciou-se em 2002, com a família Pentium Prescott. Depois disto, e antes da adoção da configuração tridimensional (ou seja, os transistores “trigate” que, afinal, deram origem a esta longa série de colunas), a Intel ainda fabricou transistores em camadas de silício de 65 nm (o Core, em 2006), de 45 nm (a série Core i7 em 2008) e de 32 nm (a geração Sandy Bridge, em 2010).
Estas são as espessuras da camada de silício, não as larguras das portas. Para cada uma delas, quais seriam estas larguras, ou seja, os trechos que precisam atuar como isolante quando a porta não recebe tensão?
Bem, segundo a Intel, a largura da base da porta de um transistor fabricado com tecnologia de camada de silício de 65 nm é de apenas 35 nm. Quando a camada de silício afina para 45 nm, a largura do trecho isolante cai para 25 nm. E, finalmente, quando a camada de silício se adelgaça até 32 nm, a largura do trecho isolante sob sua porta é de apenas 18 nm.
Por extenso: dezoito nanômetros. Menos de um quinto do diâmetro de um vírus e uma espessura correspondente a apenas algumas moléculas (há moléculas orgânicas medindo quase 2 nm).
É apenas esta a espessura da parede situada entre fonte e dreno. E existe uma diferença de potencial elétrico entre seus lados. Se ela não conseguir impedir que os elétrons saltem através dela impelidos por esta diferença de potencial, o transistor perderá sua eficácia como chaveador de corrente. Portanto ela precisa atuar como isolante.
A pergunta que se impõe, então, é a seguinte: pode uma parede tão fina, da espessura de apenas algumas moléculas, reter o ímpeto dos elétrons que tendem a atravessá-la devido à diferença de potencial elétrico existente entre suas duas faces?
A resposta singela é: não. Não pode. É demasiadamente fina.
Pelo menos com os materiais usados até 2002, quando se chegou próximo à barreira dos cem nanômetros.
Portanto, para romper esta barreira, foi necessário alterar as propriedades dos materiais usados na fabricação dos transistores.
Na próxima coluna veremos como.
Até lá.
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